quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A fraqueza de Deus é mais forte que todos os homens


S. João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da Igreja
4ª homilia sobre a 1ª epístola aos Coríntios


«A tua majestade suprema é proclamada pela boca das crianças, dos pequeninos» (Sl 8,3)


A cruz conquistou os espíritos no meio de pregadores ignorantes, e isso no mundo inteiro. Não se tratava de questões banais, mas de Deus e da verdadeira fé, da vida segundo o Evangelho, e do julgamento futuro. A cruz transformou, pois, em filósofos, pessoas simples e iletradas. Eis como: «a loucura de Deus é mais sábia que o homem, e a sua fraqueza, mais forte» (1 Co 1,25).

Como é que é mais forte? Porque se propaga pelo mundo inteiro, porque submeteu os homens ao seu poder e resiste aos inumeráveis adversários que gostariam de ver desaparecer o nome do Crucificado. Pelo contrário, esse nome desabrochou e propagou-se; os seus inimigos pereceram, desapareceram; os vivos que combatiam um morto foram reduzidos à impotência... Com efeito, o que publicanos e pecadores conseguiram vencer pela graça de Deus, os filósofos, os oradores, os reis, em breve, a terra inteira, em toda a sua extensão, não foi sequer capaz de o imaginar... Era pensando nisso que o apóstolo Paulo dizia: «A fraqueza de Deus é mais forte que todos os homens». De outro modo, como teriam podido esses doze pecadores pobres e ignorantes imaginar uma tal empresa?

terça-feira, 8 de julho de 2008

É a fragilidade que é fundadora


É a fragilidade que é fundadora

O sentido profundo
do ser humano

Jean Vanier
Fundador da “ARCA” Internacional


A eficácia a produtividade e o culto do sucesso pessoal alimentam a
angústia o desprezo do outro e o isolamento dos indivíduos.
Na ARCA retirada da sociedade de competição as pessoas que têm uma
deficiência ensinam-nos e revelam-nos um outro sentido do ser humano.


Na nossa sociedade de competição só
alguns conseguem ganhar e muitos
perdem. Se não consigo ganhar entro
em angústia. E a cultura de competição
está de tal maneira omnipresente que
o meu desejo de ganhar continua a ser
o mais forte... Deste ponto de vista
considero a análise de Jacques
Généreux 1 excelente.
Os que não conseguem ser bem
sucedidos entram em angústia e em
depressão e a depressão conduz à
violência. É o que se passa nos
subúrbios das grandes cidades onde a
violência de grupos de jovens é o
produto das suas angústias. Os pais não
têm trabalho as condições habitacionais
não são boas, os jovens abatidos
encontram-se em grupos e passam do
abatimento à violência. O paradoxo é
que mesmo se somos contra a
competição temos que encorajar os
jovens a procurar um trabalho e a
estudar; temos que ajudar as pessoas a
integrarem-se nesta cultura de
competição para que não fiquem
demasiado angustiadas e por consequência
violentas; para que consigam
encontrar um equilíbrio nas suas
vidas…

Vivemos num mundo paradoxal. O que
fazer então?

A ARCA um lugar de amizade

É cada vez mais frequente encontrar
jovens casais de 30–40 anos que estão
cansados desta cultura da competição.
São obrigados a trabalhar muito a
fazer longas horas de viagem e no fim
sentem-se muito cansados e sentem
que a sua família está em perigo. Estes
jovens casais pedem para vir trabalhar
para a ARCA e aceitam salários muito
mais baixos porque procuram um lugar
onde possam viver humanamente.
Nesta sociedade da competição a
minha esperança é criar lugares de
escuta de amizade e de acolhimento
mútuo. O que conta é criar lugares
onde se vive com humanidade. Mas não
tenho uma solução já pronta. Vamos
caminhando vamos tentando compreender
vamos procurando.

Uma pertença comum

A análise de Généreux toca a de
Zymunt Bauman 2 . Este sociólogo
analisa a evolução das nossas sociedades
que no passado eram
constituídas por grupos fechados por
exemplo religiosos ou nacionais cujo
perigo era abafar a liberdade. A
resposta a esta pressão foi a insistência
no individualismo mas este
individualismo provocou uma erosão da noção de pertença o que gera
angústia. O estímulo do sucesso
provoca o desprezo do outro. A cultura
da competição é de tal forma invasora
e omnipresente nomeadamente nos
media, que consegue extinguir o desejo
de criar laços. Bauman fala duma luta
interior quotidiana contra as
compulsões sociais de sucesso pessoal e
da ambição. É praticamente todas as
manhãs que os indivíduos têm que
escolher de pertencer ainda aos seus
grupos! Perdemos os valores da
pertença uma pertença que eu
chamaria de pertença a uma
umanidade comum. Creio que é
preciso reencontrar a pertença ao seu
grupo para tomar consciência da
pertença a uma globalidade comum.
O perigo do ser humano é fechar-se em
preconceitos. Martin Luther King
interrogava-se porque é que cada um
de nós se põe tão depressa a desprezar
o outro. É evidente que ele tinha
experimentado muitas vezes este
desprezo da parte dos brancos. O
desprezo é como uma espécie de
movimento: se alguém me despreza
eu desprezo-o por meu lado também.
Os Brancos desprezavam os negros e
ao mesmo tempo os negros
desprezavam-se entre si. Para M.L.King
continuamos a desprezar o outro ou
desprezar um grupo enquanto não
conseguirmos acolher aquilo que é
desprezível em nós. A única maneira
de sair disto para cada um de nós é
reconhecer aceitar e mesmo amar
aquilo que é desprezível em nós. A
ARCA nasceu dum mundo de desprezo
do outro. Acolhemos as pessoas que
foram desprezadas porque têm uma
deficiência. As pessoas que vêm para a
ARCA sofrem em primeiro lugar de
rejeição e de dificuldades em
encontrar o seu lugar na vida. Cada
pessoa que veio para aqui sofreu na
pele a rejeição. Estou a pensar numa
rapariga do meu lar. Tem 23 anos e
não tem uma deficiência muito
marcada sofre muito mais dum a
deficiência social: sem escolaridade
nunca conheceu os pais terá sido
batida pela sua ama… E nós aqui
estamos para lutar contra as lacunas da
educação da vida familiar das
competências sociais… Será que
seremos capazes de a ajudar a
aprender uma profissão a casar? Não
sei mas deveremos acompanhar o seu
sofrimento.

A vida como uma passagem

Cada um de nós precisa de provar que
é alguém que é capaz de fazer coisas
de ser competente e reconhecido pelo
que faz… Ser um bom médico um bom
enfermeiro é importante é evidente.
“Entramos pequeninos na vida e morremos
pequeninos”

Mas á outra coisa em mim. Preciso de
me sentir amado não por causa das
min as capacidades mas por causa
daquilo que sou e isso é muito mais
profundo.
Um dos meus amigos que é médico um
dos pioneiros dos cuidados paliativos
nos Estados Unidos e no Canadá teve
que tratar dum grande gansgster que
tin a um cancro. Vi fotografias dele
quando estava de boa saúde e outras
quando estava doente. Aquele omem
muito poderoso era um dos c efes da
máfia nos Estados Unidos e tornou-se
progressivamente tão frágil como um
bebé pequeno precisando de se sentir
amado tocado…
Entramos pequeninos na vida e
morremos pequeninos quer queiramos
quer não… A minha irmã que tem 84
anos na sequência duma baixa de
tensão caiu e bateu com a cabeça. Foi
hospitalizada e disseram-lhe que não
podia morar sozinha em sua casa.
Médica e intelectualmente muito forte
trabalhou mais de 25 anos nos cuidados
paliativos. Hoje vive na casa das
Irmãzin as dos Pobres de Londres.
Toma todas as suas refeições com
pessoas que têm a doença de
Alzheimer. Médica dos cuidados
paliativos passou agora para o outro
lado. É uma passagem bem rude. Eu
próprio tenho agora 79 anos e no meu
lar as pessoas por quem era
responsável tornaram-se responsáveis
por mim. Dizem-me – Jean estás
cansado não vais lavar a loiça… A vida
é uma passagem da vulnerabilidade à
vulnerabilidade. O sentido profundo do
ser humano é o acolhimento da sua
vulnerabilidade.
A maior parte dos jovens que passam
pela ARCA ficam transformados pela
sua relação com as pessoas com uma
deficiência. Descobrem neles novas
energias no contacto com as pessoas
mais frágeis principalmente a energia
da compaixão e da bondade. Não
somos nós que vamos transformar as
pessoas que têm uma deficiência ou
que são excluídos são eles que vão
revelar-nos. Podem fazer bem a muitas
pessoas que não parecem estar a
sofrer mas que vivem escondidos atrás
de paredes grossas. As pessoas
vulneráveis têm algo a ensinar-nos
sobre o ser humano.

Da competição à relação

Estamos numa sociedade onde humano
quer dizer eficácia rapidez
capacidade de realização… O sentido
do humano está a perder-se. É o drama
de muitas pessoas idosas que entram
em depressão porque ignoram o
sentido profundo do ser humano que é
o acolhimento da vulnerabilidade. Uma
rapariga de Fé e Luz 4 confidenciou-me
um dia: “Comecei a frequentar pessoas
que tinham uma deficiência e a minha
visão do mundo mudou”. Para mim
toda a questão humana está nesta
transformação.
Conheci em tempo um homem de
negócios muito bem sucedido cujo filho
era psicótico. Foi a única vez na sua
vida onde ele teve que admitir que não
podia controlar a situação e que
precisava de ajuda. Descobriu outras
famílias que tinham filhos psicóticos e
isso levou-o a uma conversão uma
transformação.

O que é que provoca esta
transformação? O que é que leva um
grande patrão a acolher a sua
vulnerabilidade? Porque é que há
assistentes que vêm viver para a ARCA
com pessoas com deficiência
recebendo salários tão baixos? E isto
numa cultura que nos pede para
sermos fortes capazes e competitivos?

O que é que vai ajudar uma pessoa a
deixar de estar na cultura da
competição para entrar na cultura da
relação e do acolhimento do outro?
Esta é para mim a grande questão…
Acolher-me a mim próprio como eu
sou não é só reconhecer a minha
vulnerabilidade é também descobrir
que posso dar vida aos outros. O mais
importante no ser humano é talvez
poder dar alegria aos outros. É a
fecundidade. O drama da nossa
sociedade é que as pessoas não têm
que ser fecundas mas sim produtivas e
eficazes.

Lugares de comunhão

A única coisa que conta é a comunhão:
quando eu me torno vulnerável em
relação a ti e tu em relação a mim;
quando eu deixo de ter poder sobre ti
e tu sobre mim mas damos vida um ao
outro.
Como criar situações onde eu aceito
ser quem sou? Onde não tenho que
fingir que sei mais ou fazer de conta?
Como ser feliz junto com outro? Eu
como sou vocês como são cada um
com a sua idade e fragilidades…

Como celebrar a vida? Uma das coisas
mais importantes na ARCA é a nossa
maneira de celebrar de nos sentirmos
felizes uns com os outros brincar
dançar… Aquilo que impressiona mais
as pessoas que nos visitam na ARCA é
que é um lugar de celebração. È
preciso criar lugares de celebração
onde as pessoas sentem que têm
direito a ser elas próprias.

1 Jacques Généreux La Dissociété Ed. SEUIL 2006. Nota da Tradutora.
2 Zymunt Bauman Liquid Love On t e Frailty of Human Love Cambridge Polity 2003 NT

Tradução de: Cahiers de la Reconciliation nº 1 – 2008

Este texto foi transcrito duma
intervenção numa sessão de formação da MIR
5 em Trosly em Fevereiro de 2007

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Chamo-Te...


Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz pricipitado.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Maio


Meditação de Maio - Taizé
Salmo 23: Nada nos falta

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Em verdes prados me faz descansar
e conduz-me às águas refrescantes.
Ele reconforta a minha alma.

Ele guia-me por caminhos rectos, por amor do seu nome.
Ainda que atravesse vales tenebrosos,
de nenhum mal terei medo
porque Tu estás comigo.
A tua vara e o teu cajado dão-me confiança.

Preparas a mesa para mim
à vista dos meus inimigos;
ungiste com óleo a minha cabeça;
a minha taça transbordou.

Na verdade, a tua bondade e o teu amor
hão-de acompanhar-me todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.

(Salmo 23)

Para muitos crentes através dos tempos, o salmo 23 tem ocupado lugar de eleição. A confiança serena desta oração, as imagens simples que utiliza (os prados, a água, a sombra, uma mesa) para expressar o modo como Deus acompanha os crentes através de grandes dificuldades, tornaram-no querido para muitos, e capaz de ser lido e relido em momentos muito diferentes da vida. Poucas orações nos parecem tão universais.

A imagem apresentada no primeiro versículo orienta todo o salmo: «O Senhor é meu pastor: nada me falta». Que força emana desta afirmação! «Nada» diz o salmista! Como é possível? – perguntamos nós. Logo a seguir, o texto faz-nos mergulhar num ambiente de frescura vivificante. O pastor sabe como fazer revigorar o seu rebanho, ao conduzi-lo aos locais onde se poderá alimentar. E, deste modo, faz avançar as suas ovelhas. A vida do rebanho reside num movimento que se renova sem cessar, constantemente retomado.

Os versículos seguintes evocam em duas ocasiões perigos importantes. É verdade: um pastor não afasta o seu rebanho do perigo, mas fá-lo atravessar pelo meio desse perigo. Em primeiro lugar, tratam-se de vales tenebrosos, de onde a morte parece não estar longe. Deus está lá, afirma o salmista, mas no escuro. Como se os olhos já não conseguissem ver nada, e apenas fôssemos capazes de ouvir. O cajado bate no chão, única prova para as ovelhas de que o pastor está sempre presente. Depois, há uma transição abrupta: Deus prepara uma mesa em que o crente se encontra à vista dos inimigos. O acolhimento é entusiástico. Deus consegue que não se trate de um confronto mas de uma autêntica festa.

Nos últimos versículos, o salmista encontra-se numa estrada: é a vida que parece retomar o seu curso «normal». Mas, em vez ser conduzido para a frente, o salmista é como que «empurrado» por trás. Os dons de Deus, a bondade e o amor, seguem-no até ao seu destino, a própria casa de Deus, onde o salmista poderá viver numa intimidade eterna com ele.

A que acontecimentos ou situações da minha vida me fazem pensar as imagens presentes neste salmo?

Como podemos avançar no meio das dificuldades? Como nos deixamos revigorar por Deus?

terça-feira, 22 de abril de 2008

Uma reconciliação urgente


2008
Abril / Taizé
Mateus 5,23-24: Uma reconciliação urgente

Jesus disse: «Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta.» (Mateus 5,23-24)

Acolhendo-nos, Deus dá-nos a paz. Mas a paz de Deus não anestesia. A palavra do Evangelho não pode deixar-nos tranquilos. Se diante do altar, diz Jesus, que quer dizer em presença de Deus, «te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti», deixa tudo e «vai primeiro reconciliar-te».

A palavra de Jesus mexe connosco. Ela encoraja-nos mesmo a permitir que nos acorram lembranças difíceis: «Se te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti…» A paz de Deus não leva a esquecer as tensões, os conflitos, as situações de injustiça.

Uma lembrança difícil pode ser uma palavra ou um gesto que me magoaram. Pode ser também a descoberta de que sou eu a causa, real ou imaginária, de um sofrimento numa outra pessoa, ou de que alguém «tem algo contra mim», como diz Jesus. O Evangelho chama-nos a ousar enfrentar tais situações.

Para dar um primeiro passo no sentido da reconciliação não são necessários longos preparativos. Jesus diz mesmo que não é necessário «apresentar primeiro a sua oferta», não é necessário acabar bem a sua oração. Ele diz-nos: Deixa lá a tua oferta, vai já, agora, reconciliar-te. Tal como és, podes reconciliar-te com o teu irmão.

Porquê esta urgência da reconciliação? Porque é que Jesus é tão categórico? É que Deus é paz. Procurar Deus e procurar a paz é uma coisa só. É por isso que o Evangelho nos chama a dar prioridade à reconciliação. Cristo convida-nos a comprometer-nos e a lutar com um coração reconciliado.

Para avançar no caminho da reconciliação, é melhor renunciar a perguntar se não deveria ser o outro dar o primeiro passo. Jesus não diz: «Procura primeiro saber quem teve e quem não teve razão.» Ele diz: «Vai, agora, reconciliar-te.» Pois é assim que Deus age connosco. Sem impor condições, é ele quem, primeiro, vem ao nosso encontro.

Salvos Na Esperança



O exemplo de uma santa da nossa época pode, de certo modo, ajudar-nos a entender o que significa encontrar pela primeira vez e realmente este Deus. Refiro-me a Josefina Bakhita, uma africana canonizada pelo Papa João Paulo II. Nascera por volta de 1869 – ela mesma não sabia a data precisa – no Darfur, Sudão. Aos nove anos de idade foi raptada pelos traficantes de escravos, espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão. Por último, acabou escrava ao serviço da mãe e da esposa de um general, onde era diariamente seviciada até ao sangue; resultado disso mesmo foram as 144 cicatrizes que lhe ficaram para toda a vida. Finalmente, em 1882, foi comprada por um comerciante italiano para o cônsul Callisto Legnani que, ante a avançada dos mahdistas, voltou para a Itália. Aqui, depois de « patrões » tão terríveis que a tiveram como sua propriedade até agora, Bakhita acabou por conhecer um « patrão » totalmente diferente – no dialecto veneziano que agora tinha aprendido, chamava « paron » ao Deus vivo, ao Deus de Jesus Cristo. Até então só tinha conhecido patrões que a desprezavam e maltratavam ou, na melhor das hipóteses, a consideravam uma escrava útil. Mas agora ouvia dizer que existe um « paron » acima de todos os patrões, o Senhor de todos os senhores, e que este Senhor é bom, a bondade em pessoa. Soube que este Senhor também a conhecia, tinha-a criado; mais ainda, amava-a. Também ela era amada, e precisamente pelo « Paron » supremo, diante do qual todos os outros patrões não passam de miseráveis servos. Ela era conhecida, amada e esperada; mais ainda, este Patrão tinha enfrentado pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela « à direita de Deus Pai ». Agora ela tinha « esperança »; já não aquela pequena esperança de achar patrões menos cruéis, mas a grande esperança: eu sou definitivamente amada e aconteça o que acontecer, eu sou esperada por este Amor. Assim a minha vida é boa. Mediante o conhecimento desta esperança, ela estava « redimida », já não se sentia escrava, mas uma livre filha de Deus. Entendia aquilo que Paulo queria dizer quando lembrava aos Efésios que, antes, estavam sem esperança e sem Deus no mundo: sem esperança porque sem Deus. Por isso, quando quiseram levá-la de novo para o Sudão, Bakhita negou-se; não estava disposta a deixar-se separar novamente do seu « Paron ». A 9 de Janeiro de 1890, foi baptizada e crismada e recebeu a Sagrada Comunhão das mãos do Patriarca de Veneza. A 8 de Dezembro de 1896, em Verona, pronunciou os votos na Congregação das Irmãs Canossianas e desde então, a par dos serviços na sacristia e na portaria do convento, em várias viagens pela Itália procurou sobretudo incitar à missão: a libertação recebida através do encontro com o Deus de Jesus Cristo, sentia que devia estendê-la, tinha de ser dada também a outros, ao maior número possível de pessoas. A esperança, que nascera para ela e a « redimira », não podia guardá-la para si; esta esperança devia chegar a muitos, chegar a todos.

Texto tirado da: CARTA ENCÍCLICA
SPE SALVI
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS
SOBRE A ESPERANÇA CRISTÃ

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Missão


"Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do
egoísmo que nos fecha no nosso Eu. É parar de dar volta ao redor de nós
mesmos como se fossemos o centro do mundo e da vida. É não se deixar
bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos: a humanidade é
maior. Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É, sobretudo,
abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E, se para
descobri-los e amá-los, é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus,
então missão é partir até os confins do mundo". (Dom Hélder Câmera)